Uma Doce Herança
A velha casa dos meus avós em Ferreira do Alentejo já estava fechada há muitos anos. Desde a morte do meu avô, em 1985, nunca mais ninguém cuidara dela, encontrando-se em processo de franca degradação, agravada por inúmeras infiltrações de água, pelo telhado, paredes e terraço.
Após o falecimento do meu pai, há dois anos, houve partilhas na família. Aquela casa de Ferreira era a menina dos meus olhos. Entendi-me com os meus irmãos e coube-me a mim ficar com ela, para meu encanto e para os meus trabalhos.
Antes das obras de conservação que tive que fazer, deparei com uns objectos estranhos que se encontravam meio escondidos, abandonados ao fundo das prateleiras da despensa. Ao princípio não eram mais que uma massa escura e húmida que saía de três sacos de plástico sujos e pegajosos. Habituando os olhos à luz, aproximei-me e verifiquei que se tratava de pacotes de açúcar. Estavam quase todos colados, castanhos escuros do caramelo e dos bolores. Um ou outro tinha escapado miraculosamente daquela amálgama, mas o aspecto geral era arrepiante.
Meti-os todos num caixote, evitando danificá-los e levei-os para casa. Comecei por pô-los em água tépida, por separá-los cuidadosamente uns dos outros, depois esvaziá-los do açúcar, lavá-los de novo, deixá-los secar. Depois de uns três dias de muita paciência, o resultado foi gratificante: apesar de alguns dos pacotes terem ficado um pouco desbotados com a operação de salvamento, muitos ficaram surpreendentemente em óptimo estado, apesar dos anos que tinham e das condições em que estavam.
Entre as muitas dezenas de pacotes recuperados e os muitos que ainda não tinha, lá estava “aquele” que me faltava para completar a lendária série da “Evolução do Homem”, do Manuel Rui Azinhais Nabeiro (Delta).
Que eu saiba, nenhum dos meus antepassados coleccionava pacotes de açúcar. Acho mesmo que os últimos habitantes da casa nem sonhavam que eu os coleccionava. Mas alguém juntou aqueles por alguma razão. E ali esperaram pacientemente por mais de 20 anos que eu chegasse, que os fosse buscar e que com muito carinho tratasse de cada um deles…
Rui Colaço
Sócio Nº 6 do CLUPAC
1 Comments:
Caro Rui
É verdade que mesmo peças que parecem inertes e sem vida esperam que alguém delas se aproxime, lhes dê uma chispa de vida. Foi o que terá acontecido... Essa casa a que te referes terá, sem dúvida, muitas outras estórias para contar nessas terras de encantar, de Ferreira, do amplo Alem-Tejo que tanto amo. Um abraço pela partilha.
By Vicktor Reis, at 9:38 da manhã
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